A carioca Marise Gonçalves passava horas na esteira da academia e diz que não via o tempo passar. Chegou a fazer 28 km em alguns dias, 32 km em outros. "Eu assistia a dois filmes inteiros na TV. Os professores me achavam louca. Diziam que só eu tinha essa paciência", conta. Na época com 36 anos, a produtora de eventos se preparava para a Maratona do Rio, em junho de 2004. "Como não tinha horário fixo para nada, recebia a planilha e treinava por conta. Muitas vezes só conseguia correr à noite, e aquele ambiente é mais seguro que as ruas do Rio, onde moro", conta. "Com minha rotina, teria sido inviável treinar para a maratona na rua."
A produtora, que se diz "workaholic", conta que sempre treinava com o celular à mão (no compartimento da esteira) e, se surgisse um imprevisto, "era só parar e ir para casa". Aumentava a velocidade e a inclinação para compensar o fato de que a esteira a impulsionava para a frente. Os longões ela fazia sempre entre 20h e 23h, horário em que a academia estava mais vazia. "A esteira me deu um grande preparo psicológico para a maratona, pois, depois que você faz 32 km sem sair do lugar, qualquer prazer o diverte. Na rua, só a paisagem e o movimento já distraem", conta. Completou a maratona em 3h57, abaixo das 4h12 estipuladas por ela. Depois disso, ela relata que ainda fez duas meias e várias provas de 10 km, sempre treinando na academia perto de casa.
Assim como Marise, vários corredores estão descobrindo que a esteira pode ser muito mais que um quebra-galho nos dias em que o clima não ajuda. Feito corretamente, o treino nesse equipamento pode manter e melhorar seu condicionamento físico e deixá-lo pronto para competir. Os atletas de elite do grupo Team USA Minnesota (Estados Unidos) convivem com temperaturas abaixo de zero e correm em esteira com frequência. Dennis Baker, treinador da equipe, já fez com que alguns dos maratonistas ficassem por 3 horas na esteira. "Quem vai fazer uma maratona na primavera pode treinar em temperaturas mais elevadas [em ambiente fechado] sem que tenha de viajar", afirma Dennis.
O treino em esteira traz uma série de vantagens aos corredores. "Assim como a corrida ao ar livre, combate a hipertensão e a obesidade, previne a osteoporose, melhora o condicionamento e a qualidade de vida. Com a vantagem de o atleta poder correr em qualquer hora e clima e de ter um amortecimento maior e, assim, proteger articulações", afirma Luciana Toscano, treinadora da assessoria esportiva carioca Toscano. "Por isso, é o piso mais indicado para iniciantes, gordinhos e especialmente para a reabilitação de lesões."
O advogado Geraldo Talavera, 52 anos, recebeu o diagnóstico de canelite em novembro de 2008. Foram 40 sessões de fisioterapia para o tão aguardado retorno aos treinos, em março de 2009. "Mas era só correr no asfalto para voltar a sentir dor na canela", afirma. Para não ter que abandonar a paixão pela corrida, correu da rua para a academia. "Meus ossos e articulações não sofrem. Na esteira evito o trânsito das ruas e não corro o risco de ser assaltado”, diz o morador de Foz do Iguaçu (PR). A canela não "apitou" mais e Geraldo, depois de quatro São Silvestres, meia dúzia de provas de 10 km e quatro meias maratonas, agora se prepara para o Desafio Runner’s World (veja como participar na pág. Xxx). Sua meta é correr os 21 km no Rio de Janeiro, em julho, abaixo de 2 horas.

Antes das competições, Geraldo e Marise incluem em suas planilhas alguns treinos no asfalto, para se adaptar às condições que encontrarão no dia da prova. "Ao treinar na rua, eu me acostumo com o terreno irregular, o clima e o trabalho de músculos não exigidos na esteira", diz Geraldo. Marise faz os longões de fim de semana na rua, debaixo de sol e de preferência no trajeto e horário da prova. Sua treinadora, Luciana Toscano, indica a seus atletas – especialmente aqueles com foco em performance – que mesclem os dois tipos de piso. "Indico que façam pelo menos os longões na rua, já que fatores externos como vento, umidade, calor e a própria diferença de terreno interferem muito no resultado nas provas", afirma.

Por Patricia Julianelli e Sarah Lorge Butler | Ilustrações Nik e Kali Ciesemier

Treino indoor
Seis treinos para você ganhar condicionamento e ficar em forma.
Para que o treino na esteira não se transforme em algo monótono, é importante variar a programação. "Divirta-se. Faça uma corrida em ritmo constante em um dia e intervalada no outro. Não se prenda a uma rotina, senão seu corpo se adapta rapidamente e você não vai tirar tanto benefício dos treinos", diz Gregory Florez, técnico norte-americano especialista em treinamento em esteiras. Confira a seguir como aproveitar ao máximo os programas de corrida desses equipamentos. São cinco dicas de treinos e um programa especial e detalhado para detonar o máximo de calorias na esteira.
- Simulação de competição
Para treinar o percurso da prova
Algumas esteiras têm programas que simulam competições famosas, como a Maratona de Nova York. Assim, o corredor se familiariza com o percurso e pratica treinos mais curtos em subidas.Treino: se sua esteira não tiver a prova na programação, use a altimetria da corrida para programar subidas e descidas e simular o percurso. Por exemplo: se você souber que há uma subida íngreme após dois terços do percurso da prova de 10 km que vai correr, aperte na esteira o botão de inclinação nesse mesmo ponto, para se acostumar à sensação.
Dica: Não se deixe surpreender no dia da corrida. Quando você chegar àquela subida, pense que já fez aquele percurso antes e é capaz de vencê-lo.
- Intervalado aleatório
Para diversificar o treino
A inclinação e as mudanças de velocidade imprevisíveis proporcionam um trabalho mais completo que as superfícies planas, já que você trabalha diferentes músculos.Treino: Ao variar a corrida, o tempo passa mais rapidamente. Aqueça por 10 minutos (com trote ou caminhada), faça 20 minutos de corridas mudando o ritmo ao acaso e desaqueça por 10 minutos.
Dica: Se você não tem muito tempo para correr, esse exercício garante boa dose de intensidade em pouco tempo.
- Tiros intervalados
Para ficar mais rápido
Na pista, muita gente diminui o ritmo nos últimos tiros por causa do cansaço. Na esteira, você só pode reduzir quando a velocidade da esteira diminui.Treino: Corra três séries de 3 minutos em ritmo 6 segundos por km mais rápido que seu ritmo de prova de 5 km (a esteira precisa de alguns segundos para alcançar a velocidade que você programou, por isso, desconte esse tempo de "adaptação" da máquina). Trote por 2 minutos entre cada tiro. Adicione uma série assim a cada duas semanas.
Dica: Você verá os resultados desse treino na sua próxima competição.

- Tempo run no seriado
Para manter o ritmo
Nos tempo runs (treinos de ritmo) na rua, nem sempre conseguimos manter exatamente o mesmo ritmo — é normal acelerarmos ou frearmos um pouco. Mas, na esteira, assim que alcançamos o ritmo-alvo, somos "obrigados" por ela a manter aquele ritmo.Treino: Aqueça por 10 minutos e, assim que seu seriado de TV preferido começar a passar na TV, corra no ritmo de tempo run. Trote durante os comerciais e volte a acelerar quando o seriado recomeçar. Desaqueça por 5 minutos.
Dica: Conforme seu desempenho for melhorando, tente manter o ritmo de tempo run também durante os comerciais.
- Tiros em subidas

Para encarar os altos e baixos
Você pode controlar a inclinação da esteira para não estressar demais os quadríceps e as panturrilhas. Basta deixar por alguns minutos a esteira em nível plano, para se recuperar, e depois incliná-la novamente.Treino: Corra 1 minuto com até 4% de inclinação, intercalando trote em superfície plana. Evolua para dez tiros com inclinação de 6%.
Dica: Esse treino é um desafio para o sistema cardiovascular, mas é melhor para as pernas por não ser, de modo geral, um exercício de muita velocidade. “Descobri, ao longo dos anos, que posso evitar lesões se correr com menos velocidade em subidas íngremes”, diz a maratonista olímpica americana Magdalena Boulet.
- Perca peso na esteira
Um plano para corredores perderem 4 kg em um mês

Para emagrecer, não tem segredo: você precisa gastar mais energia do que consome. Para ajudá-lo a queimar mais calorias, Iuri Lage, treinador da assessoria esportiva BH Race, de Belo Horizonte elaborou a planilha abaixo. "Usei muito treinos com variação de velocidade que provocam adaptações constantes no organismo do atleta, principalmente no seu ritmo de respiração. Eles também aumentam o limiar aeróbico [capacidade de manter um ritmo forte sem se tornar ofegante] do atleta para que ele consiga usar mais a via aeróbia [que utiliza o oxigênio para quebrar gorduras] nos longões e assim utilizar mais gordura como fonte de energia", diz Iuri. A mudança da inclinação em alguns dias também visa a aumentar o gasto calórico: se sua esteira possui esse recurso, siga a orientação da planilha. Mas atenção: esse treino é para quem já corre há pelo menos quatro meses, três vezes por semana.

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